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sábado, 26 de dezembro de 2015

TRÊS DIMENSÕES DA FÉ CRISTA

Sempre me impressiona a variedade com que o conceito de fé é empregado na Bíblia, especialmente nos evangelhos que descrevem atos e falas de Jesus. Ao centurião, cujo servo estava doente, Jesus disse: “Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E, naquela mesma hora, o servo foi curado” (Mt 8:13).

Quando o pobre leproso caiu aos pés de Jesus e clamou por socorro: “Senhor se quiseres, podes purificar-me” (Mt 8:1-4), Jesus, percebendo sua fé, imediatamente lhe atendeu o pedido. Jesus afirmou a uma mulher hemorrágica: “Levanta-te, siga o teu caminho; a tua fé te salvou” (Lc 17:19). E naquela hora a mulher ficou sã. Jesus, ouvindo o pedido do centurião e admirando-se de suas palavras, voltando-se para a multidão que o seguia, disse: “Eu vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Lc 7:9).

Para a mulher que chorava e, arrependida, lavava seus pés com suas próprias lágrimas, enxugando-o com os cabelos de sua cabeça, Jesus expressou: “Tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 7:50). Certo dia, Jesus curou dez leprosos de uma só vez; depois de ouvi-los clamar e vendo-lhes a fé disse ao paralítico: “Tem ânimo, filho; perdoados são os teus pecados” (Mc 2:5). Aos dois cegos que clamaram: “Mestre, tem misericórdia de nós”, Jesus tocou-lhes os olhos, dizendo: “Seja feito segundo a vossa fé” (Mt 9:29).

Você já deve ter ouvido a história em que Agostinho caminhava à beira da praia, grandemente perplexo com a doutrina da Trindade. Ele observa então um garoto com uma conchinha correndo ao mar, enchendo de água para derramá-la dentro de um buraco seco que ele havia feito na areia. “O que você está fazendo, menino?”, ele perguntou. O menino respondeu-lhe: “Estou tentando colocar o oceano neste buraco”.

Agostinho aprendeu a lição e concluiu: “É isso que estou tentando fazer com a Trindade”. Agora eu vejo a fé da mesma maneira. Eu tentarei descrevê-la, mas não conseguirei defini-la. Como o cego tocando o elefante, eu compreendo apenas a parte que Deus me dá condições para ver. Caminhando pelas praias do tempo, tento colocar em minha mente finita e limitada conceitos que são infinitos e ilimitados. Eu acho impossível definir fé de maneira satisfatória com poucas palavras.

Assim a fé envolve a pessoa inteira em uma relação com Deus “da cabeça aos pés”, abarcando sentimentos, pensamentos, consciência, decisões, atitudes, relacionamentos e assim por diante. A fé é mais do que uma iluminação mental, pois ela se estende da cabeça ao coração, da mente à decisão, das palavras aos atos, do eu ao próximo. De acordo com o contexto, a noção de fé pode funcionar de várias maneiras distintas.

Há um elemento intelectual na fé: o reconhecimento da verdade de Deus, que inclui a crença histórica nos fatos e narrativas das Escrituras Sagradas bem como a crença nas doutrinas bíblicas. A fé é expressa pelo conhecimento, no sentido de que há conhecimento sem fé, mas não pode haver fé sem conhecimento. “Crer é também pensar”, intitula John Stott no seu livro sobre o valor e vigor da mente na vida do cristão.

Precisamos ser capazes de raciocinar e compreender, pelo menos até certo ponto, quanto ao que acreditamos. Conhecer os fatos históricos acerca de Deus e da sua Palavra é importante, mas não suficiente. A fé que se diz totalmente racional deve ser contestada.

Há, além disso, um elemento emocional na fé: a assimilação interior da vida, poder e graça de Deus, aplicável às necessidades da alma. Essa compreensão produz a apreciação afetiva e a experiência da beleza de Deus que cativam o nosso coração para Ele com amor e adoração. Afinal de contas, quando você conhece o amor de Deus em Jesus Cristo, nada mais no mundo se parecerá tão belo, agradável ou desejável.

A fé é um princípio operativo e eficaz nos sentimentos da alma, e não uma mera noção derivada da mente. Não é o conhecimento que nos leva a uma garantia dos atributos divinos, mas sim o assentimento interior. Somente a paixão humana que vem do interior, em direção à morte e ressurreição de Jesus, poderá livrar-nos do pecado e atuar em prol do desenvolvimento de uma fé integral e eficaz.

A fé abrange a faculdade humana da vontade, da escolha e da obediência. Isso implica na rendição e entrega da vida humana ao governo de Cristo. Sem um ato da vontade, você não acreditará na necessidade de mudar de vida, transformar-se à semelhança de Cristo, obedecer e praticar a Palavra de Deus. A fé compreende conhecimento e dependência, no sentido de confiar em Senhor Jesus Cristo.

Fé não é apenas crer que um barco exista, mas entrar nele confiante que tudo ocorrerá bem durante a jornada. Desse modo, existe o conhecimento convincente com relação ao evangelho, mas não pode ficar apenas nisso. Fé também implica no assentimento e recebimento dos princípios da doutrina de Cristo, de modo especial, a verdade da necessidade de um Salvador e de que Cristo é o único e o suficiente para isso. O homem abandona a autossuficiência para descansar em Cristo e confiar nas suas promessas.

Portanto, como um ato integral do ser humano, a fé cristã afetará positivamente todas as faculdades humanas: os pensamentos (mente), os sentimentos (coração) e a vontade (ação).[1] A fé salvadora implica na percepção intelectual que produz a avaliação emocional que gera uma resposta de entrega. Deus deixa de ser abstrato e se torna real. Somos trazidos a Ele pela vontade.

Crer é um ato do coração, o que, nas Escrituras, envolve todas as faculdades da vida, como um princípio que abarca os direitos morais e espirituais: “Com o coração (alma) se crê para a justiça” (Rm 10:10).


[1] Usando definições teológicas: o intelectual (notitia, conhecimento), o emocional (assensus, assentimento) e o volutivo (fiducia, confiança).

Rubens Muzio

Por Litrazini


Graça e Paz

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