Conta-se que numa cidadezinha do interior residia um pipoqueiro que
tinha amor ao seu oficio e o desempenhava à perfeição. Só utilizava o
melhor milho e o melhor óleo, sua panela e seus apetrechos eram mantidos
imaculadamente limpos e tinha uma mão magistral para dosar o sal.
Todos os dias percorria as ruas da cidade, empurrando seu carrinho
de alumínio reluzente. "Pipocas Quentinhas" - gritava,
apregoando seu produto. "E Boas de Sal", arrematava, enquanto um
cartaz com letras de 10 centímetros de altura, preso ao carrinho,
anunciava as virtudes de suas pipocas. Os fregueses não se faziam de
rogados e arrebatavam-lhe das mãos os saquinhos transbordantes de
pipocas.
Animado pela receptividade de sua clientela, o pipoqueiro selecionava
mais cuidadosamente ainda o milho, renovava o óleo com mais frequência e caprichava mais ainda no sal. Chegou até a encomendar
saquinhos coloridos para tornar mais atraente a embalagem de seu produto.
Enquanto ia de vento em popa os negócios do pipoqueiro, chegou o
período das férias escolares e voltou à casa paterna seu filho de 22 anos,
estudante de Administração e Economia numa das faculdades do Rio de
Janeiro.
Após os abraços e proverbiais perguntas sobre parentes, amigos e
conhecidos, pai e filho entretinham-se em conversação amena quando,
indagado sobre o andamento dos negócios, o pai passou a descrever o sucesso de
seu trabalho e confidenciou ao filho seus projetos de expansão. Pretendia
contratar um ajudante e, além do carrinho, montar uma barraca fixa num dos
melhores pontos da cidade.
O filho ouviu-o com um olhar de incredulidade e desaprovação e disse:
- "Papai, o senhor deveria ser mais cauteloso e pensar melhor antes
de prosseguir com seus projetos de investimento e expansão. A economia do
país entrou em fase de desaquecimento e os indicadores conjunturais
prognosticam tempos difíceis sendo iminentes novas medidas restritivas por
parte das autoridades monetárias". E prosseguiu por uns bons 20
minutos não poupando referências à estagnação, inflação, à crise energética, ao balanço
de pagamentos, ao desemprego, à capacidade ociosa da indústria de bens de
capital, à política cambial e a toda uma plêiade de efeitos, consequências e implicações cujo impacto sobre a conjuntura econômica seria
dos mais desfavoráveis.
O pipoqueiro era homem de poucas letras e, portanto não lia as
notícias econômicas nos jornais e tampouco lhe interessavam os
telenoticiários e, evidentemente, ignorava tudo que seu filho lhe contava.
Tampouco compreendera o sofisticado jargão do filho, mas orgulhava-se de
ter, com muito sacrifício, conseguido enviar à Capital seu primogênito que,
após dois anos de estudos, já revelava tão profunda compreensão da
situação econômica do país. Nada daquilo fazia qualquer sentido para ele, mas, como poderia deixar de ter razão um rapaz que argumentava
com tanto brilho e usava de um linguajar tão elevado?
No dia seguinte, segunda-feira, o pipoqueiro saiu para o
trabalho, desanimado, empurrando seu carrinho. Achou que não lhe
adiantaria gritar o seu pregão e percorreu o seu caminho de sempre,
absorto em pensamentos negativos. Seus clientes habituais continuaram a
procurá-lo, apesar de alguns comentarem que o acharam algo mal-humorado e
menos atencioso naquele dia.
Na terça-feira, retirou o cartaz que era pesado e teria pouca
utilidade na situação que o filho lhe tinha descrito.
Na quarta, deixou de renovar o óleo e alguns clientes reclamaram
do sabor algo rançoso das pipocas.
Na sexta, errou a mão no sal e recebeu várias reclamações.
No sábado, sua clientela já estava reduzida quase à metade. Ao
regressar à casa, encontrou o filho refestelando-se na rede, enquanto lia
o suplemento econômico de um jornal de grande circulação. Cansado e
desiludido, dirigiu-se ao brilhante rapaz:
- "Meu filho" - disse - "você tem toda a razão! Não dá
mais pra negar, os tempos estão ficando bicudos".
(publicado no
Jornal do Brasil, Domingo 12/04/81)
Transcrito
Por Litrazini
Graça e
Paz
É triste comprovar que existem pessoas que tem "escola" em desconstruir os sonhos e a vida dos outros. Principalmente quando estes são pessoas mais humildes, com menos estudos e acreditam em outros que são de sua confiança. Mas quando um negócio assim vai certo, deve-se perguntar primeiro a Deus! Ele é quem sabe de todas as coisas.
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