Não são poucos os pastores e
pregadores que ameaçam os críticos das atuais "manifestações
espirituais" de cometerem o pecado sem perdão, a blasfêmia contra o Espírito
Santo, ou o pecado para a morte.
Mas, será que a blasfêmia contra o
Espírito Santo é duvidar e questionar a genuinidade destas manifestações?
Comecemos examinando o conceito de "pecado para a morte". O pecado
para a morte é mencionado por João em sua primeira carta:
"Há
pecado para morte, e por esse não digo que rogue (5.16c)".
A morte a que João se refere é a morte
espiritual eterna, a condenação final e irrevogável determinada por Deus, tendo
como castigo o sofrimento eterno no inferno. Todos os demais pecados podem ser
perdoados, mas o “pecado para morte” acarreta de forma inexorável a condenação
eterna de quem o comete, a ponto do apóstolo dizer: "e por esse não digo
que rogue".
O que, então, é o pecado para a morte?
O apóstolo João não declara explicitamente a que tipo de pecado se refere.
Através dos séculos, estudiosos cristãos têm procurado responder a esta
pergunta. Alguns têm entendido que João se refere à morte física, e têm
sugerido que se trata de pecados que eram punidos com a pena de morte conforme
está no Antigo Testamento (Lv 20.1-27; Nm 18.22). Não adiantaria orar pelos que
cometeram pecados punidos com a morte, pois seriam executados de qualquer forma
pela autoridade civil. Ou então, trata-se de pecados que o próprio Deus puniria
com a morte aqui neste mundo, como ele fez com os filhos de Eli (2Sm 2.25), com
Ananias e Safira (At 5.1-11) e com alguns membros da igreja de Corinto que
profanavam a Ceia (1Co 11.30; cf. Rm 1.32).
A Igreja Católica fez uma
classificação de pecados veniais e pecados mortais, incluindo nos últimos os
famosos sete pecados capitais, como assassinato, adultério, glutonaria,
mentira, blasfêmia, idolatria, entre outros. Este tipo de classificação é
totalmente arbitrário e não tem apoio nas Escrituras.
A interpretação que nos parece mais
correta é que João está se referindo à apostasia, que no contexto de seus
leitores, significaria abandonar a doutrina acerca de Cristo que eles tinham
ouvido e recebido dos apóstolos, e seguir o ensinamento dos falsos mestres que
estavam se infiltrando naquela igreja. Estes mestres negavam a encarnação e a
divindade do Senhor Jesus. “Pode-se inferir do contexto que este pecado não é
uma queda parcial ou a transgressão de um determinado mandamento, mas
apostasia, pela qual as pessoas se alienam completamente de Deus” (Calvino).
Trata-se, portanto, de um pecado
doutrinário, cometido de forma voluntária e consciente, similar ao pecado de
blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus, e que o Senhor
Jesus declarou que não haveria de ter perdão nem aqui nem no mundo vindouro
(cf. Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10). Em ambos os casos, há uma rejeição
consciente e voluntária da verdade que foi claramente exposta. No caso dos
fariseus, a blasfêmia foi chamar deliberadamente Jesus de endemoninhado quando
estava claro que Ele agia pelo poder do Espírito.
No caso dos leitores de João, a
apostasia seria mais profunda, pois os que pecaram para a morte tinham
participado das igrejas cristãs, como se fossem cristãos, participado das
ordenanças do batismo e da Ceia, participado dos meios de graça. À semelhança
dos falsos mestres que também, antes, tinham sido membros das igrejas,
apostatar seria sair delas (1Jo 2.19), se juntar aos pregadores heréticos e
abraçar a doutrina deles, que consistia numa negação de Cristo.
Tal pecado era “para a morte” porque
consistia na rejeição final e decidida daquele único que pode salvar, Jesus
Cristo. “Este pecado leva quem o comete inexoravelmente a um estado de
incorrigível embotamento moral e espiritual, porque pecou voluntariamente
contra a própria consciência” (John Stott).
É provavelmente sobre pessoas que
apostataram desta forma que o autor de Hebreus escreveu, dizendo que “é impossível outra vez renová-los para
arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho
de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6). Ele descreve essa situação
como sendo um viver deliberado no pecado após o recebimento do pleno
conhecimento da verdade. Neste caso, “já
não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível
de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários” (Hb 10.26-27).
Este pecado é descrito como calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue
da aliança com que foi santificado e ultrajar o Espírito da graça (Hb 10.29),
uma linguagem que claramente aponta para a blasfêmia contra o Espírito e a
negação de Jesus como Senhor e Cristo (ver também 2Pd 2.20-22, onde o apóstolo
Pedro se refere aos falsos mestres).
Não é sem razão que o apóstolo João
desaconselha pedirmos por quem pecou dessa forma.
Alguém pode perguntar se Deus fecharia
a porta do perdão se pessoas que pecaram para a morte se arrependessem. Tais
pessoas, porém, não poderão se arrepender pois simplesmente não desejam mais se
arrepender. “Tais pessoas foram entregues a um estado mental reprovável, estão
destituída do Espírito Santo, e não podem fazer outra coisa senão, com suas
mentes obstinadas, se tornarem piores e piores, acrescentando mais pecado ao
seu pecado” (Calvino).
Notemos que nestes versículos João não
chama de “irmão” aquele que peca para a morte. Apenas declara que há pecado
para a morte e que não recomenda orar pelos que o cometem. É evidente que os
nascidos de Deus jamais poderão cometer este pecado.
Portanto, não se impressione com as
ameaças de pastores do tipo "você está blasfemando contra o Espírito
Santo" se o que você estiver fazendo é simplesmente perguntando qual a
base bíblica para certas "manifestações" atribuídas ao Espírito
Santo.
Augustus Nicodemus
Por Litrazini
http://www.kairosministeriomissionario.com/
Graça e Paz
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