Ninguém
pode negar que algumas pessoas acham a Bíblia difícil. Os testemunhos quanto
às dificuldades encontradas na leitura bíblica são inúmeros e não podem ser
desconsiderados levianamente.
Na
experiência humana existe geralmente um complexo de motivos e não um só motivo
para tudo, o mesmo acontece com as dificuldades que encontramos na Bíblia. Não
se pode dar uma resposta instantânea para a pergunta: Por que a Bíblia é
difícil de entender? Qualquer resposta irrefletida tem toda probabilidade de
estar errada. O problema não é singular, mas plural, e por esta razão o
esforço de encontrar para ele uma solução única será frustrado.
Apesar
desse raciocínio, ouso dar uma resposta curta para a pergunta, e embora esta
não responda a tudo, contém boa parte da solução do problema envolvido numa
questão assim complexa. Acredito que achamos a Bíblia difícil porque tentamos
lê-la como leríamos qualquer outro livro, mas ela não se assemelha a nenhum
outro livro.
A Bíblia não é dirigida a qualquer um. Sua mensagem tem como alvo alguns
escolhidos. Quer
esses poucos sejam escolhidos por Deus num ato soberano de eleição ou por
corresponderem a determinadas qualificações, deixo para cada um decidir como
possa, sabendo perfeitamente que sua decisão será determinada pelas suas
crenças básicas sobre assuntos tais como predestinação, livre-arbítrio, os decretos
eternos e outras doutrinas relativas.
O que quer que tenha tido lugar na eternidade, o que acontece no tempo
fica evidente: alguns crêem e outros não; alguns são moralmente receptivos e outros
não; alguns têm capacidade espiritual e outros não. São para os primeiros que a Bíblia foi
escrita, os demais irão lê-la inutilmente.
Sei que alguns leitores vão apresentar objeções vigorosas neste ponto, e
as razões para elas são fáceis de descobrir. O cristianismo de hoje se concentra no
homem e não em Deus. O Senhor precisa aguardar com toda paciência e até mesmo
respeito, sujeitando-se aos caprichos humanos.
A imagem de Deus aceita pelo povo é a de um Pai aflito, esforçando-se em
desespero amargurado para fazer com que as pessoas aceitem um Salvador de que
elas não sentem necessidade e em quem têm pouco interesse. A fim de persuadir essas
almas auto-suficientes a responderem às suas ofertas generosas, Deus fará quase
tudo, usando até mesmo métodos de venda especiais e lhes falando da maneira
mais íntima possível. Este ponto de vista é, naturalmente, um tipo de religião
romantizada que consegue fazer do homem a estrela do espetáculo, embora usando
com freqüência termos elogiosos e até mesmo embaraçosos em relação a Deus.
A idéia de que a Bíblia é dirigida a todos criou confusão dentro e fora
da igreja. O
esforço de aplicar os ensinamentos contidos no Sermão do Monte às nações
não-regeneradas do mundo é um exemplo disto.
Os tribunais e poderes militares da terra são instados a seguirem os
ensinos de Cristo, algo evidentemente inviável para eles. Citar as palavras de Cristo
como diretriz para policiais, juizes e militares é interpretar absolutamente
errado essas palavras e revelar completa falta de compreensão dos propósitos da
revelação divina. O convite gracioso de Cristo é estendido aos filhos da graça
e não às nações gentias cujos símbolos são o leão, a águia, o dragão e o urso.
Deus
não só dirige suas palavras de verdade aos que têm capacidade para recebê-las,
como também as oculta aos demais. O pregador faz uso de histórias para esclarecer
a verdade, nosso Senhor usou-as muitas vezes para ocultá-la.
As parábolas de Cristo foram o exato oposto da moderna “ilustração” que
serve para esclarecer; as parábolas eram “ditos obscuros” e Cristo afirmou que
fazia uso delas algumas vezes a fim de que seus discípulos pudessem
compreender, mas não os inimigos. (Veja Mateus 13:10-17.) Assim como a coluna de fogo
iluminava Israel, mas servia para ocultá-los aos olhos dos egípcios, as
palavras do Senhor brilham no coração do seu povo embora deixem o incrédulo
presunçoso nas trevas da noite moral.
O poder salvador da Palavra fica reservado para aqueles a quem ele se
destina. O
segredo do Senhor está com aqueles que O temem. O coração impenitente não
descobrirá na Bíblia senão um esqueleto de fatos sem carne, vida, ou fôlego de
vida.
Shakespeare pode ser apreciado sem necessidade de arrependimento;
podemos entender Platão sem acreditar numa palavra que ele diz; mas a
penitência e a humildade juntamente com a fé e a obediência são necessárias a
fim de que as Escrituras possam ser compreendidas corretamente.
Nos
assuntos naturais, a fé segue-se à evidência, sendo impossível sem ela, mas no
reino do espírito, ela precede o entendimento; e não se segue a ele.
O
homem natural precisa saber a fim de acreditar; o homem espiritual precisa
crer para vir a conhecer. A
fé que salva não é uma conclusão extraída da evidência; mas uma coisa moral,
uma coisa do espírito, uma infusão sobrenatural de confiança em Jesus Cristo,
um perfeito dom de Deus.
A fé salvadora se baseia na Pessoa de Cristo; ela leva imediatamente a
uma rendição do nosso ser total a Cristo, cujo ato é impossível ao homem
natural. Crer
corretamente é um milagre comparável ao da ressurreição de Lázaro sob a ordem
de Cristo.
A Bíblia é um livro sobrenatural
e só pode ser entendido com ajuda sobrenatural.
Extraído do livro “O Melhor de A. W. Tozer”
Por Litrazini
Graça
e Paz
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