Sempre
me impressiona a variedade com que o conceito de fé é empregado na Bíblia,
especialmente nos evangelhos que descrevem atos e falas de Jesus. Ao centurião,
cujo servo estava doente, Jesus disse: “Vai-te,
e seja feito conforme a tua fé. E, naquela mesma hora, o servo foi curado”
(Mt 8:13).
Quando
o pobre leproso caiu aos pés de Jesus e clamou por socorro: “Senhor se quiseres, podes purificar-me” (Mt 8:1-4), Jesus,
percebendo sua fé, imediatamente lhe atendeu o pedido. Jesus afirmou a uma
mulher hemorrágica: “Levanta-te, siga o
teu caminho; a tua fé te salvou” (Lc 17:19). E naquela hora a mulher ficou
sã. Jesus, ouvindo o pedido do centurião e admirando-se de suas palavras,
voltando-se para a multidão que o seguia, disse: “Eu vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Lc
7:9).
Para
a mulher que chorava e, arrependida, lavava seus pés com suas próprias lágrimas,
enxugando-o com os cabelos de sua cabeça, Jesus expressou: “Tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 7:50). Certo dia, Jesus curou
dez leprosos de uma só vez; depois de ouvi-los clamar e vendo-lhes a fé disse
ao paralítico: “Tem ânimo, filho;
perdoados são os teus pecados” (Mc 2:5). Aos dois cegos que clamaram: “Mestre, tem misericórdia de nós”, Jesus
tocou-lhes os olhos, dizendo: “Seja
feito segundo a vossa fé” (Mt 9:29).
Você
já deve ter ouvido a história em que Agostinho caminhava à beira da praia,
grandemente perplexo com a doutrina da Trindade. Ele observa então um garoto
com uma conchinha correndo ao mar, enchendo de água para derramá-la dentro de
um buraco seco que ele havia feito na areia. “O que você está fazendo,
menino?”, ele perguntou. O menino respondeu-lhe: “Estou tentando colocar o
oceano neste buraco”.
Agostinho
aprendeu a lição e concluiu: “É isso que estou tentando fazer com a Trindade”.
Agora eu vejo a fé da mesma maneira. Eu tentarei descrevê-la, mas não
conseguirei defini-la. Como o cego tocando o elefante, eu compreendo
apenas a parte que Deus me dá condições para ver. Caminhando pelas praias do
tempo, tento colocar em minha mente finita e limitada conceitos que são
infinitos e ilimitados. Eu acho impossível definir fé de maneira satisfatória
com poucas palavras.
Assim
a fé envolve a pessoa inteira em uma relação com Deus “da cabeça aos
pés”, abarcando sentimentos, pensamentos, consciência, decisões, atitudes,
relacionamentos e assim por diante. A fé é mais do que uma iluminação mental,
pois ela se estende da cabeça ao coração, da mente à decisão, das palavras aos
atos, do eu ao próximo. De acordo com o contexto, a noção de fé pode funcionar
de várias maneiras distintas.
Há
um elemento intelectual na fé: o reconhecimento da verdade de Deus,
que inclui a crença histórica nos fatos e narrativas das Escrituras Sagradas
bem como a crença nas doutrinas bíblicas. A fé é expressa pelo conhecimento, no
sentido de que há conhecimento sem fé, mas não pode haver fé sem conhecimento.
“Crer é também pensar”, intitula John Stott no seu livro sobre o valor e vigor
da mente na vida do cristão.
Precisamos
ser capazes de raciocinar e compreender, pelo menos até certo ponto, quanto ao
que acreditamos. Conhecer os fatos históricos acerca de Deus e da sua Palavra é
importante, mas não suficiente. A fé que se diz totalmente racional deve ser
contestada.
Há,
além disso, um elemento emocional na fé: a assimilação interior da
vida, poder e graça de Deus, aplicável às necessidades da alma. Essa
compreensão produz a apreciação afetiva e a experiência da beleza de Deus que
cativam o nosso coração para Ele com amor e adoração. Afinal de contas, quando
você conhece o amor de Deus em Jesus Cristo, nada mais no mundo se parecerá tão
belo, agradável ou desejável.
A fé
é um princípio operativo e eficaz nos sentimentos da alma, e não uma mera noção
derivada da mente. Não é o conhecimento que nos leva a uma garantia dos
atributos divinos, mas sim o assentimento interior. Somente a paixão humana que
vem do interior, em direção à morte e ressurreição de Jesus, poderá livrar-nos
do pecado e atuar em prol do desenvolvimento de uma fé integral e eficaz.
A fé
abrange a faculdade humana da vontade, da escolha e da obediência. Isso
implica na rendição e entrega da vida humana ao governo de Cristo. Sem um ato
da vontade, você não acreditará na necessidade de mudar de vida, transformar-se
à semelhança de Cristo, obedecer e praticar a Palavra de Deus. A fé compreende
conhecimento e dependência, no sentido de confiar em Senhor Jesus Cristo.
Fé
não é apenas crer que um barco exista, mas entrar nele confiante que tudo
ocorrerá bem durante a jornada. Desse modo, existe o conhecimento convincente
com relação ao evangelho, mas não pode ficar apenas nisso. Fé também implica no
assentimento e recebimento dos princípios da doutrina de Cristo, de modo
especial, a verdade da necessidade de um Salvador e de que Cristo é o único e o
suficiente para isso. O homem abandona a autossuficiência para descansar em
Cristo e confiar nas suas promessas.
Portanto,
como um ato integral do ser humano, a fé cristã afetará positivamente todas as
faculdades humanas: os pensamentos (mente), os sentimentos (coração) e a
vontade (ação).[1] A fé salvadora implica na percepção
intelectual que produz a avaliação emocional que gera uma resposta de entrega.
Deus deixa de ser abstrato e se torna real. Somos trazidos a Ele pela vontade.
Crer
é um ato do coração, o que, nas Escrituras, envolve todas as faculdades da
vida, como um princípio que abarca os direitos morais e espirituais: “Com o coração (alma) se crê para a
justiça” (Rm 10:10).
[1] Usando definições
teológicas: o intelectual (notitia, conhecimento), o emocional (assensus,
assentimento) e o volutivo (fiducia, confiança).
Rubens
Muzio
Por
Litrazini
Graça
e Paz
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