O termo fruto usado nas páginas do Novo
Testamento é a tradução do original karpos, que tanto pode significar “o
fruto”, quanto “dar fruto”, “frutificar” ou ser “frutífero” (Mt 12.33; 13.23;
At 14.17). A palavra é usada em sentido figurado para indicar a produção ou o
resultado de algo.
A qualidade da coisa produzida aponta para
as virtudes, a ineficácia, e ao caráter do elemento gerador (Gn 1.12; Mt
7.17,18). Deste modo é que se refere ao produto da terra, do ventre e dos
animais (Dt 28.11); do caráter do justo (Sl 1.30; Pv 11.30); da índole do ímpio
e das atitudes dos homens (Pv 1.29-32; Jr 32.19); da mentira (Os 10.13); da
santificação (Rm 6.22); da justiça (Fp 1.11) e do arrependimento entre outros
(Lc 3.8).
Por conseguinte, a árvore produz fruto
segundo a sua espécie (Gn 1.11). Espécie, no original mîm, designa
“especificação” ou “ordem”, por esta razão a árvore boa não gera fruto mau, e a
má, fruto bom (Mt 7.16-20). Portanto, é de se esperar que da natureza
regenerada do crente, pelo Espírito Santo que nele habita, origine-se fruto que
dignifique e espelhe o caráter moral de Cristo.
A VIDEIRA EM JOÃO 15
A ilustração bíblica está condicionada ao
contexto do símbolo hebraico que concebia o homem como árvore (Jz 9.7-15; Sl
1.3); Israel como vinha (Is 5.1-7; Jr 2.21; Os 10.1); e Cristo como a Videira
(Jo 15). Tais elementos, conforme o contexto, são interpretados
como símbolos, alegorias, metáforas e até mesmo tipos.
Embora participem do mesmo campo semiológico, esses elementos literários
distinguem-se.
O símbolo, por exemplo, seu
significado está à parte do seu campo semântico literal, ultrapassando-o a fim
de representar um conceito abstrato (a cruz é tanto símbolo de vida como de
morte).
A alegoria, por outro lado, como já
definimos em nossa obra Hermenêutica Fácil e Descomplicada (CPAD), é
uma sucessão de metáforas em que cada uma delas acrescenta um novo
elemento para formar um quadro mais abrangente da mensagem (a videira e os ramos,
por exemplo).
Cada metáfora da alegoria transmite
um significado que completa a estrutura e mensagem da analogia anterior. Já
o tipo, mais enigmático do que epigramático, lida com o significado e
cumprimentos análogo e profético (Melquisedeque e Cristo, por exemplo).
Facilmente é percebido que há uma estreita
relação entre as palavras e as coisas por elas nomeadas. Assim, a
linguagem denotativa refere-se às coisas como são, enquanto
a conotativa às coisas como se relacionam com a realidade; como se compreendem
em uma relação palavra-objeto-mensagem. Enquanto a denotação percorre os
corredores da exatidão, do unívoco; a conotação nega toda literalidade, e
percorre os corredores do equívoco.
Pietroforte afirma que Quando dois ou mais
significados são comparados em torno de uma relação de similaridade, o sentido
denotado é negado e caminha para sua difusão em outros sentidos, gerando,
assim, conotações. A figura de palavra que traduz esse efeito é chamada
comparação. [1]
Consequentemente, o símbolo, a alegoria,
a metáfora e o tipo negam o sentido verbal, histórico e
imediato e afirmam a polissemia, nas palavras de Pietroforte, “afirma-se sua difusão
em outros sentidos”; que, na semiologia peirceana, chamaríamos de critério
de interpretância.
Na Alegoria da Videira (Jo 15), a verdade
reside nas ligações de representações em vez de nas representações isoladas. É
necessário compreender uma metáfora (ramos, por exemplo) em sua relação com
outra metáfora, em vez de isoladamente (videira, agricultor). Aristóteles (Da
Interpretação) denomina essa relação de συμπλοκή (symplokē), que, na
concepção heideggeriana, significa “o entrelaçamento, o entretecimento de duas
ideias ou de dois conceitos”.
No critério de interpretância, o conteúdo
interpretado permite que o leitor vá além do signo originário.
O interpretante, entendido como um signo, figura ou oração que traduz uma
expressão anterior, além de retraduzir o sentido verbal, alarga a sua
compreensão. Umberto Eco afirma que para Peirce um termo é uma “proposição rudimentar”
e que uma proposição é uma “rudimentar argumentação”.
Assim sendo, a Alegoria da Videira no
capítulo 15 do Evangelho de João é uma das imagens sacras mais contundentes
sobre o relacionamento e intimidade de Jesus com os seus discípulos. Esta pérola
poética não é superada nem mesmo pela oração sacerdotal do capítulo dezessete,
mas complementada e sumariada no versículo 23: “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade”.
Na figura da videira, o Pai é o cultivador
que zela pela frutificação do ramo, mas somente na intercessão de Cristo é que
entendemos o cuidado do viticultor célico – o poder gerador, criador,
frutificador do Deus Todo-Poderoso é comunicado ao crente que está unido e
permanece em Cristo, portanto, inadmissível a um ramo permanecer sem produzir o
devido fruto.
O capítulo quinze ressalta a função de cada
um dos elementos da alegoria: o agricultor, a videira e os ramos – mas no
dezessete, os três estão unidos e, mesmo que se resguarde a individualidade das
duas pessoas divinas (Eu e Tu), são apenas um com os ramos.
O apóstolo dos gentios foi um dos
discípulos de Cristo que experimentou e confessou a excelência de se ter o
poder eficaz de Deus sendo comunicado através de sua comunhão e permanência em
Cristo: “Para isto também trabalho,
combatendo segundo a sua eficácia [operação], que opera em mim poderosamente
[dynamis]” (Cl 1.29; 1 Co 12.6). A glória pelo fruto gerado não pertence ao
sarmento, mas ao vivificador que comunica vitalidade ao ramo, para que este
produza de acordo com o poder que lhe é comunicado.
Esdras Costa Bentho
Notas
[1] PIETROFORTE, A.V. A palavra e o
discurso. In: LOPES, I.Carlos; HERNANDES, N. (orgs.) Semiótica: objetos e
práticas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 159.
Por Litrazini
Graça e Paz
Nenhum comentário:
Postar um comentário